Anne Marie Luijendijk, professora de Religião na Universidade de Princeton, nos EUA, encontrou e decifrou um livro de 1500 anos com um evangelho até então desconhecido pela história, que poderia ser utilizado para “adivinhação” no passado.
Gênero de literatura do cristianismo primitivo, os evangelhos relatam a
vida de Jesus, com o intuito de difundir sua palavra e exaltar a natureza
divina. Mas o descoberto por Anne é totalmente diferente. “Quando comecei a
decifrar o manuscrito e encontrei a palavra ‘evangelho’ na linha de abertura,
eu esperava ler uma narrativa sobre a vida e a morte de Jesus, assim como os
evangelhos canônicos ou uma coleção de ditos semelhante ao Evangelho de Tomé
(um texto não canônico)”, disse ela. Porém, a pesquisadora decifrou 37
oráculos, escritos de forma vaga e estranha, quase sem mencionar Jesus.
O livro está escrito em copta, uma língua egípcia, e sua abertura diz
(em tradução aproximada): “O Evangelho da Sorte de Maria, a mãe do Senhor
Jesus Cristo, a quem Gabriel Arcanjo trouxe a boa notícia. O que avançar com
todo o seu coração vai obter o que procura. Só não seja de duas mentes”.
Seu nome – “The Gospel of the lots of Mary” –, indica que ele era do tipo “lot
book” (livro da sorte), usado para tentar prever o futuro antigamente. Porém,
segundo Luijendijk, esse seria o único considerado um “evangelho”. “Para
mim, indica que tinha algo a ver com a maneira com que as pessoas o
consultavam, e também com ser visto como uma boa notícia [evangelho ou ‘gospel’
significa literalmente boa notícia]”, relatou.
“O fato de que este não é um
evangelho no sentido tradicional dá motivo para estudarmos a recepção e o uso
do termo na Antiguidade Tardia”, completou Anne, acreditando que o texto
foi utilizado mesmo como um “oráculo”, encontrando soluções para o problema de
pessoas.
O dono do livro poderia ser uma espécie de adivinho, que interpretaria o
conteúdo, ou até mesmo uma pessoa que o utilizava como uma espécie de autoajuda
entre os 37 capítulos.
O oráculo 7, por exemplo, dizia: “Você sabe, ser humano, que você fez
o seu melhor novamente. Você não ganha nada a não ser perda, disputa e guerra.
Mas, se você for um pouco paciente, a situação vai prosperar através do Deus de
Abraão, Isaque e Jacó”.
O 34 diz: “Vá em frente imediatamente. Isso é uma coisa de Deus. Você
sabe disso, eis que por muitos dias vem sofrendo muito. Mas isso não é de
nenhum interesse para você, porque você chegou ao refúgio da vitória”. O
livro é inteiramente dedicado a encontrar uma perspectiva positiva na vida,
mostrando maneiras de enfrentar dificuldades, sofrimento e violência.
Desde 1984, o texto é propriedade do Museu Sackler, da Universidade de
Harvard (EUA), doado por Beatrice Kelekian. Embora não se saiba a origem do
livro, ele estava em propriedade de seu marido falecido, Charles Dikran Kelekian,
filho de Dikran Kelekian (1868-1951), um influente comerciante de antiguidades
coptas. Estudiosos acreditam que o livro era de um adivinho que realizava suas leituras no Santuário de São Colluthus, no Egito, onde já foram descobertos textos com perguntas escritas tipicamente relacionadas ao processo de vidência. O livro é pequeno, cabe na palma das mãos, provavelmente para facilitar sua ocultação, caso necessário, já que, de acordo com Luijendijk, a adivinhação não era bem vista pelos membros da Igreja, inclusive com condenações.
Análises indicaram que esse livro foi muito utilizado pelos antepassados, independentemente do motivo. Há muitas impressões digitais antigas visíveis nas margens. “O manuscrito foi claramente muito manuseado”, concluiu Anne Luijendijk.
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